REPORTAGEM – Escola de Bambu: sonho que se sonha junto é realidade

O par de olhos claros são encantadores. A postura perante o mar de diferentes diferenças que constituem nossa sociedade encanta mais ainda. Ele não se limita ao comum do senso que insiste em formar tantas ideias corriqueiras grudadas em mentes que esquecem o todo. Ele não. Empunha a mão como sua arma. Utiliza o verbo como se fosse amigo de vidas passadas. Faz da privilegiada capacidade de enxergar o próximo uma guerra contra os fortes poderes que perduram.

Vinícius Zanotti tem pouca idade – 28 anos – mas reúne ricas lutas cívicas ao seu repertório chamado vida. Filho de pais jornalistas, jornalista ele é há seis anos pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Campineiro de coração, escolheu o mundo como lar. E foi encará-lo sem medos.

O ano era 2010, ele estava na Irlanda e a latente vontade de conhecer um país do oeste africano mais possível. “Fiz alguns contatos e parti para uma temporada de dez dias na África”, conta Vinícius.

A viagem foi para a Libéria, país extremamente pobre situado logo abaixo de Serra Leoa e que tem uma trajetória sangrenta marcada por uma guerra civil que durou 14 anos e mantida, na sua grande maioria, por soldados crianças. Foi só em 2003 que a população se viu longe da guerra, mas não das armas e nem da miséria – miséria esta entendida em todos os âmbitos.

Nesta passagem pelo país, Zanotti contraiu febre tifoide. Começou o tratamento em um hospital, fato que o apresentou a Sabato Neufville, um liberiano de 34 anos, solteiro, organizador do United Youth Movement Against Violence (UYMAV, em uma tradução livre podemos ler Movimento da Juventude Unida Contra a Violência) e pai adotivo de nove crianças órfãs de guerra.

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Vinícius e Sabato (Foto: João Zinclar)

 A organização na qual Sabato atua busca recuperar jovens liberianos que se viram participando de sangrentas batalhas durante os anos de guerra e evitar que estes virem estatística dentre os elevados índices de violência que assolam a Libéria. O pai tem renda mensal de R$ 800 para trabalhar como prestador de serviços na missão que a ONU mantém no país. Dinheiro este que se multiplica para estudar e alimentar as crianças e, ainda, para financiar atividades culturais em bairros da comunidade. E Sabato ainda fez mais: construiu uma escola para que crianças da periferia de Monróvia, a capital, pudessem ter acesso à educação.

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Vinícius filmou e fotografou a rotina das crianças de Fendel

O par de olhos claros se viu perante a uma situação social completamente degradada pelo sistema imposto ao conhecer a escola e a comunidade que a cerca. Neste momento Vinícius usou o que tinha em mãos para começar a travar uma batalha pela educação. Filmou não somente a rotina da escola de Sabato, como também a sofrida existência da população local.

Deste trabalho na Libéria nasceu o documentário “Escola de Bambu” com um objetivo muito bem definido: arrecadar fundos para a construção de uma escola sustentável para 350 crianças na Libéria.

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Equipe de bambuzeiros na Libéria

Vinícius trouxe para o Brasil o seu sonho na mala e o compartilhou com uma equipe de mais de 30 profissionais de diversas áreas que, unida, tornou o projeto uma realidade. Intitulados bambuzeiros, o grupo de voluntários promoveu a causa por três anos em campanhas nas redes sociais, de boca a boca, com promoção de eventos, venda de camisetas, DVDs do documentário e outros itens. Um dos maiores estilistas brasileiros, Ronaldo Fraga, declarou que não teve como não se envolver com o projeto e que esta foi uma grande oportunidade pessoal de fazer parte de uma história como esta.

No último mês de fevereiro, Vinícius embarcou rumo à Libéria com parte da verba necessária para a construção da escola junto do arquiteto André Dal’bó e do construtor Fabio Ivamoto Peetsa. E aqui no Brasil os bambuzeiros não descansaram até levantarem toda a verba.

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O projeto foi pensado de maneira totalmente sustentável para que os moradores possam continuar alimentando a Escola de Bambu

Lá na África, a construção andou intimamente ao lado da transmissão de ensinamentos técnicos adquiridos em pesquisas aqui no Brasil, aos liberianos. “Tivemos o cuidado de mostrar aos trabalhadores a importância da organização social para a conclusão e sucesso do projeto”, explica Zanotti que, junto com os bambuzeiros Dal’bó e Peetsa viveram uma experiência de doação extrema ao projeto humanitário. Eles mergulharam na rotina do local em todos os momentos, não tendo privilégios como se hospedar em hotel – dormiam com os trabalhadores, também se alimentavam de refeições à base de arroz, dendê, pés de galinha e peixe que tinha mais espinho que carne. “É assim lá. E para eles é uma excelente refeição”, conta.

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Febre Tifoide, Malária e mais de trinta quilos perdidos pelos bambuzeiros. A Escola tá pronta!

Mesmo dormindo com a proteção de mosquiteiros, os voluntários brasileiros contraíram febre tifoide, malária, voltaram com muitos quilos a menos ao Brasil e enfrentaram também outros sérios problemas. “Sabíamos que não seria fácil e lidar com a segurança da equipe foi algo bastante delicado”, explica Vinícius recordando as situações constantes de pequenos furtos e abusos das autoridades locais que se transformaram em uma situação de risco físico real.

Ao perguntar a Zanotti qual foi o instrumento motivador de toda esta aventura solidária na Libéria, ele responde sem titubear: “As crianças. Mesmo sentindo em toda aquela gente uma falta de sonhos e esperanças, ainda brilha nos olhos dos pequenos uma certa indagação para o dia de amanhã”, diz.

E assim, pensando para agir por um mundo menos injusto nas suas mazelas, Vinícius e toda a equipe de bambuzeiros concretizaram a construção da Escola de Bambu na Libéria no recente mês de setembro, no qual 350 crianças da comunidade de Fendell passaram a estudar em uma nova escola.

Pergunto, ainda, se Vinícius tem consciência do feito. Ele para, pensa por alguns minutos e confessa que ainda digere toda experiência. “Mas sim, reconheço o feito não para mim ou para toda a equipe de bambuzeiros que se mobilizou sem precedentes. Reconheço o feito pelas crianças, pela comunidade”, conclui.

assinatura Marilia

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