Os créditos surgem na tela do cinema e algumas pessoas mais entusiasmadas chegam a bater palmas. Eu, ainda emocionada, comento com o meu namorado sucintamente: “Filme belíssimo.” Ele concorda. Repetitiva, digo: “Lindo demais. Emocionante.”
Demoramos ainda alguns minutos para nos levantar da poltrona. Catamos os lixos e nos encaminhamos à saída. EU deixava a sala de cinema com duas certezas. A primeira era que o ator Ghilherme Lobo, que interpreta o protagonista Leonardo, era mesmo cego. A segunda era que acabara de assistir a um dos melhores filmes brasileiros produzidos nos últimos anos. O meu discursinho pronto de que “faltam bons roteiristas brasileiros” estava desmoronando. E eu estava contente por isso.
O burburinho em torno de “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” começou no ano passado, quando o filme foi selecionado para ser o representante brasileiro na disputa do Oscar. Apesar de não ter sido escolhido para disputar a estatueta, saiu do Festival de Berlin, em fevereiro, com dois prêmios: o prêmio da crítica na seção Panorama e o Teddy Bear, o Urso de Ouro gay. O reconhecimento internacional e nacional (o filme foi premiados em outros diversos festivais) gerou uma mídia espontânea no País. Tanto que num sábado à noite a sala de cinema estava relativamente cheia. Um feito raro para filmes nacionais que não configuram o gênero comédia.
“Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” narra a história de Leonardo (Ghilherme Lobo), um adolescente cego que está passando pelas descobertas e curiosidades típicas da idade. Alvo de preconceitos e brincadeiras maldosas por parte de alguns colegas da escola, ele tem na figura da melhor amiga Giovana (Tess Amorim) o porto seguro. Eles se conhecem desde crianças e são inseparáveis. Contudo, a relação dos dois vai esfriar depois da chegada de Gabriel (Fabio Audi) à escola. A dupla passa a ser trio e, como era de esperar, um deles se sente excluído. No caso, Giovana.
Enquanto a amiga de infância se afasta, Leonardo se aproxima cada vez mais de Gabriel. Pela primeira vez, ele procura se desvencilhar da superproteção da mãe. A partir disso novos sentimentos surgem e ele passa a descobrir mais sobre si mesmo e sobre a própria sexualidade.
Com diálogos coerentes e interpretações precisas, “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” passa longe do clichê. Leonardo é um adolescente em busca de sua própria identidade. Ser cego e homossexual não o definem. São somente características de um jovem complexo que tem medos e dúvidas como qualquer outro da sua idade. A cena em que ele conversa com o pai sobre um possível intercâmbio enquanto aprende a se barbear demonstra justamente isso. Que adolescente nunca pensou em passar um período longe da “marcação” dos pais? Leonardo também se sentia assim.
Acostumado a conviver com o preconceito desde criança, descobrir-se apaixonado pelo amigo Gabriel também não se revelou um tabu para ele. Não por isso Leonardo ficou menos confuso. Sem a presença da melhor amiga Giovana, lidar com a situação se transformou em uma experiência solitária, porém, de amadurecimento.
Outro protagonista do filme é a trilha sonora. A escolha de “There’s Too Much Love” de Belle & Sebatian e de “Vagalumes Cegos” de Cícero contribuíram para dar a leveza e densidade necessárias às cenas. A ausência de músicas em determinados momentos também foi bem pensada.
“Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” é o primeiro longa-metragem do diretor Daniel Ribeiro. O roteiro, também escrito por ele, é inspirado em seu curta “Eu Não Quero Voltar Sozinho” (o link segue abaixo). O curta já foi visto por mais de 3 milhões de pessoas no Youtube e ajudou a projetar Ribeiro.
Mais de três anos depois, quando resolveu produzir o longa-metragem, o diretor decidiu manter o trio de protagonistas. Além da escola e da casa de Leonardo, praticamente os únicos cenários do curta, surgem outros ambientes como um acampamento escolar e uma festinha na casa de uma amiga. Com mais recurso e tempo, em “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” Ribeiro consegue desenvolver melhor a história e agrega personagens importantes como a mãe superprotetora de Leonardo e os colegas maldosos da escola. Os diálogos são melhor pensados, assim como as atuações são mais maduras.
E por falar em atuações, cheguei em casa curiosa para confirmar se o ator que interpreta Leonardo era mesmo cego ou não. Diferente de quando eu saí do cinema, fui dormir apenas com uma certeza: a de que “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” já pode ser considerada uma das melhores estreias brasileiras dos últimos tempos. Isso porque Ghilherme Lobo não é cego. Ele é apenas um ótimo ator que construiu tão bem o personagem que ficou difícil dissociar um do outro.
Vale um pouco mais de pesquisa ao publicar certas coisas. O filme escolhido para representar o Brasil no oscar ano passado foi “O Som ao Redor”. Acho que houve certa confusão aí.
Está correto. O filme que foi escolhido é sim ‘Hoje eu quero Voltar Sozinho’.
Esse filme é muito lindo 🙂